'Voz do Nordeste' e 'Político sem Mandato', assim é
definido Luiz Gonzaga, que se vivo,
faria 100 anos nesta quinta-feira (13).
Texto de Audaci Junior
Ilustração: William Medeiros
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Da estiagem a cheia: obra do Rei do Baião trazia representações do Nordeste sob diversos aspectos |
Assim como a
imensurável associação do consciente coletivo que liga o Nordeste brasileiro
com o cenário desolador da seca e fome, o cancioneiro imortalizado pela voz e
sanfona de Luiz Gonzaga (1912-1989) concretizou o lamento – mas também a
esperança – do sertanejo que é, antes de tudo, um forte.
Atualmente,
visto tanto nas redes sociais como nos noticiários, a escassez de água, a fome,
a terra rachada e o gado morto se deteriorando sob o sol escaldante não são
meras caricaturas do clichê que pintam do Nordeste, mostrando uma realidade que
fazia Gonzagão chorar no palco ou ter esperança que um dia tudo seja verdejante
de uma nova situação sociopolítica vigente.
“Ele era a
voz do Nordeste em todos os aspectos”, afirma o pesquisador Orlando Camboim
acerca do artista que, se vivo, faria 100 anos hoje. “Gonzaga foi um geógrafo
caboclo, um cientista matuto”, conceitua, lembrando que o pernambucano de Exu
mostrava tanto a desgraça como em ‘Asa Branca’, como o outro lado com canções
como ‘A volta da Asa Branca’.
“Ele
enveredou por esta linha de protesto em 1953”, aponta José Nobre de Medeiros,
criador e diretor do Museu Fonográfico de Luiz Gonzaga, em Campina Grande.
Entre as
músicas mais emblemáticas na lista de Nobre, ‘Vozes da seca’ encabeça por
mostrar “o desprezo dos poderes constituídos em relação ao Nordeste”.
Também
lembrada por Camboim, a canção composta a quatro mãos com José Dantas que fala
que a esmola “mata de vergonha ou vicia o cidadão” foi a primeira de protesto
do músico que causou grande repercussão nacional. “Um parlamentar falou que
‘Vozes da seca’ valia por mais de mil discursos na tribuna do Congresso”.
“Luiz Gonzaga
falava de tudo um pouco”, conta o juiz e pesquisador Onaldo Queiroga, criador
do Troféu Asa Branca. “Sua obra vai desde a estiagem até a cheia”.
Assim como
Camboim, Queiroga frisa que uma de suas músicas preferidas do ‘Rei do Baião’
era ‘A triste partida’, de Patativa do Assaré. Gonzaga chorava no palco quando
cantava sobre a trajetória dos retirantes.
POLÍTICO SEM
MANDATO
Para Onaldo
Queiroga, Gonzagão era um “político sem mandato, que defendia o sertanejo na
estiagem, realizando shows com os amigos para angariar tributos para os irmãos
nordestinos em condições desfavoráveis, principalmente no eixo da sua região,
Exu”.
O próprio
músico lembrou em um depoimento de uma cena que marcou profundamente o seu
peito: quando ele viu pela primeira vez uma distribuição de alimentos em um
lugarejo chamado Taboquinha, onde tinha propriedade, uma senhora implorava por
mais comida a quem estava organizando a partilha. “Eu tenho dez filhos e graças
a Deus já morreram três”, esbravejava a senhora. Depois daquele momento, em que
se retirou aos prantos, o ‘Velho Lua’ nunca mais teve coragem de ver as
distribuições.
“Ele já fez
inúmeras campanhas de doação. Costumo dizer que Gonzaga era um socialista na
prática”, define o pesquisador Orlando Camboim, lembrando que Luiz Gonzaga não
só alimentava a barriga do sertanejo sem esperar os políticos, mas também
contribuía na expansão cultural do seu legado, doando até a sanfona que estava
usando para quem se interessasse. Chegou a doar cerca de 300 instrumentos.
“Valeu a
pena!”, chegou a declarar a majestade do baião depois de soltar sua voz de
aboio na interpretação de ‘Terra, vida e esperança’, composta por Jurandi da
Feira. “Dá gosto ser o cantor do seu povo”.