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quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

É Urgente um novo modelo de comunicação social.

1 - Quando o presidente Lula disse que "a TV brasileira não educa e degrada a família" está reiterando um diagnóstico há muito conhecido mas, lamentavelmente verdadeiro. Desde a Constituição de 1988, cultivamos a esperança de que critérios civilizadores ali inscritos ganhariam vigência e transformariam os meios de comunicação no Brasil de ferramentas embrutecedoras e animalescas a instrumentos de humanização, aperfeiçoamento democrático e reeducadores dos sentidos.
2 - A primeira indagação que surge sobre uma declaração como esta é o que pode ser feito pelo próprio presidente para que finalmente os meios de comunicação, sobretudo rádio e televisão, sintonizem-se com o que está disposto no capítulo da Comunicação Social da Constituição? Necessário é reconhecer que ao criar a TV Brasil o presidente deu passo importantíssimo para que também o Brasil se inscreva no processo de recuperação do espaço público midiático que vem se desenvolvendo em vários países da América Latina.
3 - Entretanto, como os meios de comunicação foram transformados em verdadeiros partidos políticos, peças importantes na arquitetura de poder - ensejando inclusive a definição de que em boa medida viemos na atualidade mundial sob uma tirania vídeo-financeira - torna-se uma tarefa central para todos os segmentos sociais empenhados em construir uma democracia de fato, com dimensões sócio-econômicas amplas e capaz de resgatar a dívida informativo-cultural que se avolumou contra o povo brasileiro, entender porque os meios funcionam escravizados pelo mercado e porque são indispensáveis políticas públicas para assegurar o que está inscrito na Constituição.
4 - Os meios de comunicação eletrônicos no Brasil já nascem sob a égide comercial, excluída a experiência pioneira de Roquete Pinto ao criar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, logo suplantada pela noção de comunicação como mercadoria. Na Europa os meios de comunicação eletrônicos nascem já sob monopólio do estado, como serviços públicos e só mais tarde, com o advento nefasto do neoliberalismo, retrocedem para uma formatação empresarial comercial, permitindo sua captura pelas leis anti-sociais do mercado. O que permite também experiências como a da Itália, quando após a demolição do caráter público da TV, o surgimento de oligopólios privados, antes proibidos por lei, e sua articulação nacional de modo hegemônico foram capazes de viabilizar o projeto político do atual presidente da república.
Recuperação do espaço público midiático
5 - A recuperação do espaço público midiático na América Latina merece nossa atenção. A Argentina revitalizou sua TV pública criada na década de 50 - diferentemente do Brasil, a televisão argentina nasce pública - após a década de demolição do estado. E cria um canal novo, educativo-cultural, inicialmente difundido pela cabodifusão, mas recentemente tornado de sinal aberto a todos os domicílios que tenham um televisor e uma simples antena. A Bolívia, no âmbito de suas várias novidades democráticas recentes, a começar por eleger pela primeira vez um representante dos povos originários à presidência, também acaba de fundar sua TV pública. Aliás, foi a TV pública o alvo da ação de grupos separatistas de Santa Cruz de La Sierra, exatamente por sua mensagem nacional, integradora, aberta à diversidade e à pluralidade político-etno-cultural bolivianas. Equador e Nicarágua também acabam de criar suas emissoras públicas porque pressentem que o ocorrido com o presidente Hugo Chávez em 2002, um golpe midiático de estado, também pode ser tramado nestes países em razão das medidas de nacionalização das riquezas nacionais e da participação popular que retiram poder das oligarquias nativas e do capital estrangeiro, sempre hegemônicos historicamente. Na Venezuela, não apenas se recuperou o canal estatal fundado há 40 anos, mas sucateado e semi-desativado na era neoliberal, como também foram criados três outros canais de natureza pública. Nasceram a Vive TV, dedicada a uma programação cultural, das comunidades operárias e campesinas, dos grupos marginalizados, com espaços para a experimentação de linguagem e para o debate dos temas mais candentes; a TVES, canal exclusivamente educativo-cultural, com programação de elevado sentido estético, com espaços para o esporte e sobretudo como impulsionador da produção audiovisual nacional, já que a ele estão integrados em forma de cooperação cerca de 500 produtores venezuelanos; e por último, a Telesur, televisão da integração latino-americana, nascida para mostrar o sul como espaço geopolítico ideológico e cultural, fazendo do jornalismo um instrumento desta integração, provendo valores como a solidariedade e a cooperação entre os povos, enfrentando o jornalismo hegemônico que promove a desintegração e os valores que insistem na dependência e da submissão dos povos do sul às nações e valores do norte. "O Nosso Norte é o Sul", é o lema desta emissora, que tem como sócios cotistas a Venezuela, Argentina, Uruguai, Bolívia, Cuba, Nicarágua e Equador.
6 - Ou seja, há mudanças no mapa político e comunicacional da América Latina. Aqui também há mudanças, embora limitadas. Mas há. A TV Brasil, sendo uma importante notícia democrática, padece ainda, há um ano do seu nascimento, a completar-se neste dia 2 de dezembro, de atrevimento e audácia para uma melhor qualificação de sua programação, para uma legítima disputa pela audiência capturada pelas TVs comerciais e para que seja de fato uma TV do Brasil, para o que é indispensável ter visibilidade em todos os grotões do país, onde chega o sinal das TVs comerciais e onde ainda não chegam o estado e as políticas públicas fundamentais.
7 - A correta crítica feita pelo presidente Lula à baixa qualidade da TV brasileira deveria/poderia - a depender da mobilização da sociedade organizada - ser acompanhada de procedimentos concretos para qualificar a TV Brasil como uma alternativa real àquela televisão submetida à lógica do vale-tudo pela audiência. No entanto, somos obrigados a constatar que o sinal da TV Brasil não chega aos grotões, nem mesmo capta-se bem aqui na Asa Norte, onde estamos agora. Também não se faz uma correta programação que permita proceder à necessária revisão e reeducação dos sentidos do telespectador. Mas para isto ele deve conhecer a TV Brasil, deve enamorar-se de sua programação. Mas, uma televisão no Brasil que não tem futebol e telenovela na sua grade tem capacidade real de consolidar-se como alternativa informativa? Então, frente à crítica do presidente Lula, e até para projetar sua conseqüência lógica, elencamos algumas sugestões de medidas, pois não se deve ficar apenas no pesado diagnosticismo acadêmico:
A – uma agressiva política de nacionalização espacial do sinal da TV Brasil; compra de torres repetidoras, instalação de retransmissores etc;
B - uma ofensiva para transformar a grade de programação removendo os obstáculos que hoje impedem a transmissão de futebol e de telenovelas (no caso telenovelas edificantes, por exemplo, sobre a vida de Santos Dumont, de Abreu e Lima, de Machado de Assis etc);
C - ante a alegação de falta de recursos para se cumprir as sugestões anteriores, que se promova a revisão rigorosa dos critérios para distribuição das verbas públicas para a mídia. Atualmente, a TV comercial produz verdadeira violação da Constituição e verdadeiras campanhas de desconstrução da imagem do presidente e dos poderes públicos, graças às generosas verbas públicas que recebem. Atacam e desconstroem o estado e as políticas públicas, mas não sobrevivem do mercado, aliás dependem do Estado. Em contrapartida, tanto a TV Brasil, como as emissoras educativas, universitárias e comunitárias, recebem ou muito pouco, ou nada, como no caso das últimas. Isto deve ser urgentemente revisto
D – estabelecimento de controles sociais civilizatórios sobre os meios de comunicação hoje controlados pela concepção anti-civilizatória do mercado, na prática uma verdadeira censura a uma programação educativo-cultural. O governo deve exigir o cumprimento da Constituição e deve promover a regulamentação dos dispositivos constitucionais ainda pendentes. Aqui vale lembrar o saudoso Dom Luciano Mendes de Almeida que denunciou a não regulamentação dos artigos de alcances sociais positivos da nossa Constituição, ao passo que já se arvoraram em alterá-la em sentido desregulamentador, como no caso do petróleo, das telecomunicações, da navegação de cabotagem agredindo os interesses nacionais, etc.
E – Suspensão da política de repressão às rádios e TVs comunitárias, estabelecimento de critérios democráticos, sob controle público, para as concessões e anistia aos punidos, inclusive com a devolução dos equipamentos ilegalmente apreendidos pela Polícia Federal:
F – Diante das indigentes taxas de leitura de jornal e revista no Brasil, criação de um Programa Público de Massificação da Edição e Leitura de Jornais e Revistas, a partir da combinação de três fatores hoje operando de modo negativo: a capacidade ociosa de 50 por cento da indústria gráfica brasileira; a existência de um contingente de jornalistas sem mercado de trabalho e, paradoxalmente, a existência de uma maioria do povo brasileiro sem acesso à leitura. Este é um problema que o mercado não resolve por si só, é preciso uma política pública.
Enfim, aqui estão apenas alguns elementos para estimular um debate mais amplo, ressaltando que é bem possível identificar os elementos de atuação da mídia privada como um verdadeiro partido político em campanha, o que contrasta com a timidez e a lentidão com que a TV Brasil se consolida e ainda reluta em constituir-se numa verdadeira alternativa informativa viável para o grande público.


Beto Almeida é jornalista, representante da Telesur no Brasil e presidente da TV Comunitária de Brasília.

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