* por Victor de Andrade
A
Associação Atlética Portuguesa, clube de Santos tradicionalíssimo no futebol
paulista e conhecido como ‘Briosa’, comemora nesta quinta-feira, dia 20 de
novembro, 97 anos de fundação. Porém, esta coincidência de o aniversário ser na
mesma data do Dia da Consciência Negra não é a única que liga a agremiação às
lutas contra o preconceito racial.
Fundada
em 1917, a Briosa é muito conhecida dos fãs do futebol brasileiro. O espírito inovador foi demonstrado na construção do
seu estádio, o Ulrico Mursa, nos anos 20, e já marcou sua história: foi o
primeiro a ter arquibancada de concreto e coberta,
na América Latina.
Entre
1936 e 1938, a equipe conseguiu ficar na terceira colocação do Campeonato
Paulista, um dos mais competitivos do país, nos três anos. Foi nesta época em
que o clube revelou Tim, ao lado de Leônidas da Silva e Domingos da Guia, um
dos grandes craques brasileiros daquele momento, e Argemiro, que foi o primeiro
jogador de um clube de Santos a ser convocado para uma Copa do Mundo, em 1938,
na França, jogando pela Portuguesa Santista. Já em 1941, ao lado de São Paulo,
Corinthians, Palmeiras, Portuguesa, Juventus, Nacional, Ypiranga, Comercial,
Santos e Jabaquara, fundou a Federação Paulista de Futebol (antes disso, havia
ligas independentes que organizavam o Paulistão. Em muitos anos, houve mais de
um campeonato).
Já
no ano de 1959, a Portuguesa Santista partiu para uma excursão com diversos
jogos no continente africano. O clube já estava acostumado a fazer viagens do
tipo, mas era a primeira vez que ia para a África. A bordo da embarcação holandesa “Boissevan”, a viagem marítima durou 13
dias. Os jogos históricos foram realizados entre 16 de abril e 28 de maio daquele
ano.
As
notícias que vinham da África para a cidade de Santos eram animadoras. Vitórias
e mais vitórias marcavam a excursão da Briosa. No entanto, a partida que
entraria para a história da excursão é justamente aquela que não ocorreu. A
África do Sul estava no itinerário da viagem da equipe brasileira e a delegação
da Portuguesa Santista teve que enfrentar um adversário extracampo: o regime de
segregação racial que vigorava no país, o Apartheid. Desde o complicado
desembarque dos três atletas negros da Briosa, Nenê, Bota e Guilherme, na
Cidade do Cabo, onde não queriam deixá-los entrar no local com o resto do
elenco, até a preparação para o jogo, a passagem do time brasileiro acabou por
constituir um incidente diplomático entre Brasil e África do Sul.
No
dia do jogo, quando a equipe santista já estava uniformizada nos vestiários,
pronta para entrar em campo contra um combinado da Cidade do Cabo, um dirigente
do futebol local apareceu, informando que os jogadores negros não poderiam
participar da partida porque assim determinavam as leis do país. O então
Encarregado de Negócios da Legação Brasileira na Cidade do Cabo (representando
o governo brasileiro), segundo-secretário Joaquim de Almeida Serra estava no
estádio e, prontamente, manifestou-se contra a recomendação, apoiado por todo o
elenco. “Ou jogam todos ou ninguém joga!”, dizia ele. No Brasil, o presidente
da República, Juscelino Kubitschek, já havia determinado que a partida não
deveria ser realizada. E ninguém jogou.
Pela
recusa em disputar a partida, o episódio obteve repercussão internacional e
ajudou em alguma medida a combater o Apartheid no esporte. Joaquim de Almeida Serra,
neto do destacado abolicionista homônimo Joaquim Serra, recebeu um telegrama do
Itamaraty, informando que Presidente Juscelino Kubitschek elogiava sua atitude.
O evento também acabou se transformando em um marco histórico por ter sido a
primeira vez em que o Brasil se posicionava publicamente contra aquele regime,
o primeiro país fora da África a se posicionar contra o regime segregador
sul-africano, desencadeando uma série de ações contra o Apartheid ao redor do
mundo.
O
incidente diplomático não encerrou a excursão. Foram realizados jogos em outros
países africanos e os resultados continuaram expressivos. No total, foram 15
vitórias em 15 jogos, marcando extraordinários 75 gols, com o atacante Grillo
sendo o artilheiro da equipe. Estas partidas deram à Portuguesa Santista o
título de honra ‘Fita Azul do Futebol Brasileiro’, entregue pela Confederação
Brasileira de Desportos (CBD – antecessora da atual CBF) para as equipes que
ficavam invictas em jogos no exterior. Esta honraria, inclusive, é exaltada no
hino do clube.
Após
a excursão, a delegação da Portuguesa voltou a Santos e foi recebida
apoteoticamente na cidade, desfilando, inclusive, no carro do Corpo de
Bombeiros. E a bela história deste clube quase centenário continuou. No
Campeonato Paulista da Segunda Divisão de 1964, cuja final foi disputada já em
1965, a Portuguesa Santista sagrou-se campeã ao derrotar a Ponte Preta, em
pleno Estádio Moisés Lucarelli, em Campinas, por 1 a 0, gol de Samarone. Vale
ressaltar também que na seleção de 1970 havia um jogador criado em Ulrico Mursa.
O lateral-esquerdo Marco Antônio, reserva de Everaldo, na época já jogador do
Fluminense, foi revelado pela Briosa.
Após
ter sido rebaixada em 1977, a Briosa conseguiu um novo acesso para a Primeira
Divisão do Estado em 1996, onde conquistou o vice-campeonato com uma equipe
experiente, que contava com diversos atletas veteranos oriundos da Baixada
Santista, como Fernando Mattos, Balu, Paulo Robson, Célio e Márcio Fernandes.
Já
entre 2000 e 2004, a Briosa também montou belos elencos, tendo como destaques o
time de 2001, com a excelente dupla de ataque composta por Zinho e Tico
Mineiro; a equipe de 2003, semifinalista do Campeonato Paulista, eliminando
Santos e Guarani, perdendo a vaga na final para o São Paulo, revelando o
volante Adriano, o meia Souza e o atacante Rico; e o time de 2004, que contou
com o tetracampeão Marcio Santos, que também chegou às finais do Paulistão e
disputou a Copa do Brasil.
A
partir de 2006, sucessivos rebaixamentos sucumbiram a Portuguesa Santista à
última divisão do Estado, sendo que na última temporada, faltou muito pouco
para o acesso à Série A3. Mas sua história nunca poderá ser apagada e o
episódio ocorrido na África do Sul, em 1959, é muito mais importante do que
qualquer resultado conquistado em campo. Parabéns à Portuguesa Santista pelos
seus 97 anos, por fazer parte não só da história do futebol brasileiro, como também
por ter feito parte deste fato marcante, marcado pela luta contra o preconceito
racial no mundo.
* Victor de Andrade é
jornalista, amante do futebol e torcedor da Associação Atlética Portuguesa.
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